quinta-feira, 26 de agosto de 2010

"Reino dos bichos e dos animais é o meu nome"


Uma trajetória poética em uma instituição psiquiátrica




Stela do Patrocínio foi, em toda sua vida adulta, uma interna de

hospitais psiquiátricos. Aos 21 anos, foi internada no hospital Pedro

II. Diagnóstico: "personalidade psicopática mais esquizofrenia

hebefrênica, evoluindo sob reações psicóticas". Vinha da quarta

Delegacia de Polícia. Quatro anos depois, foi transferida para a

Colônia Juliano Moreira, onde viveu até sua morte, 26 anos depois.

Gostava de falar e de escrever em papelão. Mas sempre foi uma voz

excluída: negra, pobre, sem família, nunca possuiu a chance de ser

ouvida pelo mundo. Isto começou a mudar em meados dos anos 1980,

durante o movimento chamado Reforma Psiquiátrica, quando teve sua

fala gravada em fitas cassetes por um grupo de estagiárias.

Já naquela época, chamou a atenção pela poeticidade e força que

continha. Agora, quinze anos depois, esta fala é pela primeira vez publicada em livro, possibilitando o alcance do grande público.



"Reino dos bichos e dos animais é o meu nome", publicado pela Azougue Editorial em parceria com o Museu Bispo do Rosario, é organizado e apresentado por Viviane Mosé, poeta, psicanalista, mestra e doutoranda em filosofia. O livro traz a fala de Stela do Patrocínio fielmente transposta para a poesia escrita, sem nenhuma interferência no conteúdo. O trabalho de organização consistiu na seleção dos fragmentos apresentados e na versificação a partir do próprio ritmo já existente na fala de Stela do Patrocínio. No ensaio introdutório, Viviane Mosé apresenta a poesia de Stela, chamando a atenção para a relação entre linguagem e loucura e afirmando a importância estética de sua fala, que se situa na "tensão entre a ordem e a ausência de ordem". O livro é dividido em oito partes, como grandes poemas fragmentários, que tematizam algumas questões relevantes para Stela do Patrocínio, entre elas "Procurando falatório", "Eu enxergo o mundo", "Nos gases eu me formei, eu tomei cor", "Reino dos bichos e dos animais é o meu nome" e "Botando o mundo inteiro pra gozar e sem gozo nenhum".

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